quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Você é jovem ainda? Amanhã velho será!


Sei que quando você leu o título deste texto seu pensamento foi conduzido a uma das músicas mais marcantes da trilha sonora do inesquecível seriado mexicano Chaves. Não é para menos: Chaves marcou e marca gerações! Por mais que já tenhamos assistido todos os episódios, são sempre engraçados e empolgantes.

A proposta deste texto, porém, não é falar sobre o Chaves, mas refletir sobre o que é envelhecer. Hoje em dia reunimos diversas informações e conhecimentos sobre a velhice e as possibilidades de conviver bem com as limitações físicas que ela traz, mas mesmo asssim, ainda evitamos temas desta natureza por acreditarmos que não dizem respeito a nós. Nós quem? Nós que somos jovens (ainda). 

Ser jovem é viver no auge da força física e do vigor intelectual, mas não é garantia de estar vivendo o melhor da vida. Ah, já sei, você inferiu que eu vou defender que a melhor fase da vida é a velhice pois com ela vem a sabedoria, algo essencial para uma vida feliz. Também não! O que trago é a reflexão de que a inevitabilidade de cada fase da vida deve nos assegurar no mínimo a convicção de que temos que aproveitar cada fase sem hierarquizá-las de maneira emocional. Como assim? Vejamos a seguir.

A juventude nos dá o tempo, o vigor, a energia, mas raramente a experiência e o bom jugamento. A vida adulta, a chamada meia-idade, mantém boa parte do vigor e da energia, mas exige seu uso em coisas das quais não conseguimos fugir (pelo menos a maioria das pessoas), como o trabalho e os compromissos sociais dele docorrentes. A velhice, por sua vez, dá o tempo livre, mas rouba o vigor e a energia. Traz a sabedoria, mas leva consigo a beleza nos padrões estéticos cultivados na sociedade de consumo na qual vivemos. Vamos todos envelhecer, mas saber lidar com isso é mais fácil na teoria do que na prática. Por quê?

Envelhecer é um processo de aceitação. Quem não aceitar, já está sofrendo. Ser jovem é bom, mas em algum momento temos que nos desapegar emocionalmente do modo de ver o mundo típico de um jovem. Se não o fizermos, seremos confrontamos com nosso eu envelhecido de maneira mais dramática possível, pois enquanto o corpo prova sua mudança, a mente tenta negar que esta mudança ocorreu. Temos que ser velhos e viver com velhos? Não, cada um vive como quer. A maturidade, porém, tem seu papel próprio, fugir disso nos levará a um processo conflituoso com as novas gerações que querem ver nos mais velhos alguma referência. 

Você é jovem ainda? Se sim, então viva isso, mas seja responsável, pois amanhã você velho será! Calma, mas isso não é uma tragédia, é a vida! Se você envelheceu, é por que está tendo uma vida longa!  Se já é velho, então aproveite os benefícios desta fase da vida e influencie pessoas sem somente reproduzir suas memórias e ainda entregá-las gratuitamente. Viva, sinta e use o seu corpo nos limites máximos daquilo que ele oferece. Seja feliz. 

Autor: Líniker Santana

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Lacração Juvenil: Entre a Busca por Impacto e as Consequências Pessoais

Não é de hoje que buscamos causar uma boa impressão por onde passamos. O esforço, no entanto, muitas vezes resulta no oposto, tornando-se dispendioso e até causando certo sofrimento. Manter uma imagem diferente do que somos verdadeiramente é desafiador e, mais cedo ou mais tarde, nossa verdadeira identidade se manifesta, podendo decepcionar aqueles que nos admiram.

O desafio da boa impressão torna-se ainda mais complexo quando consideramos a dinâmica da lacração, termo em voga na juventude contemporânea. Nascida no ambiente virtual, a lacração não se refere apenas a impedir a saída de algo, como sugere o dicionário, mas sim a "arrasar, causar, impactar". Amplamente utilizado por jovens, esse conceito transcende o virtual, marcando presença em conversas, intervalos escolares, shows, ruas e shoppings.

Dinâmica do Universo Juvenil

A juventude contemporânea é caracterizada por grupos que se formam com base em afinidades, desde gostos musicais até preferências por youtubers. A convivência se estabelece por meio de uma linguagem que reflete os gostos compartilhados. No entanto, a intensidade dessa vivência varia de acordo com fatores sociais, econômicos, educacionais e religiosos.

Comparação e Competição:

Outro aspecto central desse universo é a comparação constante entre os jovens. Comparar-se com membros de outros grupos é uma tentativa de afirmar-se, construindo uma imagem de "descolado" e superior para atrair a atenção dos "concorrentes". Essa dinâmica surge quando dois grupos se veem mutuamente como ameaças.

O Fenômeno da Lacração

A lacração, portanto, acontece nas entrelinhas desses comportamentos. Jovens dedicam tempo considerável pensando em maneiras de impactar e "lacrar" em seus ambientes sociais. O problema reside na natureza muitas vezes prejudicial dessas ações. Para causar impacto e vender uma imagem de destaque, alguns jovens não hesitam em violar regras, leis ou até mesmo vidas.

O Preço da Lacração

O valor de uma lacração é efêmero, e os jovens que buscam afirmar-se por meio dessas práticas logo precisam pensar em algo novo. Esse ciclo constante pode ser destrutivo, prejudicando não apenas a imagem, mas também a essência do indivíduo. Vale lembrar que existem formas menos perigosas de lacração, como postagens irônicas ou frases de efeito, mas, por sua natureza ingênua, são frequentemente consideradas desinteressantes.

Conclusão

A busca incessante por uma imagem impactante pode ter consequências prejudiciais. Desvia-se o foco do que é verdadeiramente importante, relegando o divertimento e a boa impressão a meros meios em vez de fins em si mesmos. A lacração, essa "arte" contemporânea, deve ser encarada com ressalvas, lembrando que sua motivação é, muitas vezes, uma fuga da própria identidade.


Autor: Líniker Santana (Adaptado do texto original do mesmo autor)

Friends: reflexões sobre a juventude e as amizades

A década de 1990 foi marcada por uma das sitcoms mais icônicas de todos os tempos: Friends. Com personagens inesquecíveis como Chandler, Joey, Ross, Mônica, Phoebe e Rachel, a série conquistou uma audiência fiel que perdura até os dias de hoje. O Sucesso Duradouro de Friends Embora tenha encerrado as gravações originais em 2004, Friends continua atraindo uma grande audiência em suas reprises diárias em canais de TV a cabo. A série não apenas conquistou seu público com risadas, mas também deixou marcas duradouras em gerações que a consideram um referencial e modelo.

Refletindo Ideologias Através dos Personagens Os personagens de Friends não são apenas fonte de entretenimento, mas também veículos de ideologias que permearam a década de 1990.

Juventude e Liberdade como Pilares da Felicidade A série propaga a ideia de que a juventude é um dos pilares da felicidade. Em diversos episódios, os personagens reafirmam sua juventude, como visto quando Rachel se esconde em seu aniversário, recusando-se a encarar a passagem do tempo. A juventude é apresentada como sinônimo de felicidade, mas essa visão pode ser perigosa, uma vez que envelhecer é inevitável. Além disso, Friends transmite a ideia de que a liberdade é a ausência de limites. Os personagens vivem em uma casa sem restrições, refletindo essa liberdade em seus relacionamentos, sexualidade, interações sociais e trabalho. No entanto, é crucial lembrar que, na vida real, a liberdade é sempre moldada por limites sociais e pessoais. A Amizade Incondicional Entre Seis Personagens Outra ideologia explorada é a da amizade incondicional entre os seis personagens principais. A série ignora fatores como temperamento, situação psicológica e privacidade. Embora amizades profundas existam, a realidade muitas vezes considera fatores como privacidade e situações individuais. Refletindo na Vida Real Friends, embora fictícia, deixa um impacto ideológico real. Muitas pessoas se frustram por não conseguirem reproduzir as amizades incondicionais da série. É importante entender que essas amizades são exceções, não regras. Construir uma amizade verdadeira requer respeito aos limites e tempo para cultivar o relacionamento. Conclusão Friends não é apenas uma fonte de risadas, mas também uma influência duradoura que reflete as ideologias da época. Juventude, liberdade e amizade são temas explorados, mas é essencial lembrar que a vida real é mais complexa e cheia de nuances. A série deixa um legado, mas é importante interpretar suas mensagens com uma perspectiva equilibrada. Um dia, como os próprios personagens, tudo mudará. Autor: Líniker Santana (Adaptado do texto original do mesmo autor)

sexta-feira, 2 de junho de 2023

No silêncio de uma manhã fria

No silêncio de uma manhã fria, após longa noite de desconfortos e sonhos interrompidos, penso naquilo que é mais importante para ser feliz. Percorro todo o meu ser, vasculho as minhas memórias, contemplo minha alma, mas nada encontro além de coisas que mudam, que passam e que depois não importam mais. 

Encontro os meus medos. Eles mudaram tanto que não sei mais o que temo e que não temo. Encontro as minhas paixões, reflexos de um coração que já desejou algo vigorosamente. Encontro minhas certezas. Um dia elas foram tão completas, tão seguras, tão firmes! Hoje são memorial de um ser que não consigo mais acessar. Hoje são incertezas. Encontro o silêncio ruidoso e a solidão acompanhada. Ambos sofisticados e simples ao mesmo tempo, num paradoxo que parece não ter fim. 

No silêncio de uma manhã fria, após longa noite de desconfortos e sonhos interrompidos, penso naquilo que é mais importante para ser feliz: olhar para dentro de si mesmo e descobrir que a felicidade é dada em porções tão tímidas que nosso paladar existencial nem sempre consegue experimentar!


Autor: Líniker Santana


domingo, 19 de fevereiro de 2023

Os filósofos de Caverna do Dragão

Caverna do Dragão é um desenho animado que marcou a infância de muita gente, deixando marcas permanentes do "ar de mistério" que ele possui. Embora tenha sido produzido originalmente no início dos anos oitenta (1983), foi a partir dos anos noventa que o desenho emplacou grande sucesso no Brasil. Ao mostrar as aventuras de seis adolescentes americanos que, depois de um passeio de montanha russa, foram parar em um lugar misterioso chamado apenas de "O Reino", o desenho animado conseguiu se eternizar na mente de toda uma geração de crianças e ainda registra significativa aceitação pelas crianças da atual geração.

Como fã de Caverna do Dragão que sou, me ocorreu a ideia de analisar cada um dos seis personagens à luz do perfil de alguns filósofos antigos, modernos e até contemporâneos. Provavelmente todo apreciador desta inesquecível série consegue descrever o perfil do seu personagem preferido ou até de todos, dependendo do grau de apreciação que tem. Ciente de que muitos leitores (e fãs do desenho) discordarão desta análise, o faço com bastante leveza e até desejo muito ler as prováveis críticas nos comentários.

Vamos começar a análise pela Diana. Diana é a acrobata. Suas notáveis habilidades consistem em movimentos ágeis, ideias rápidas e atitudes milimetradas. Além disso, ela possui bom senso de humor, sempre com boas risadas que podem ser constatadas em alguns episódios. Considerando que leveza e bom humor são as características predominantes da personagem, recordo-me do filósofo cínico Diógenes de Sínope (413-323 a.C.). Diógenes, famoso pelas anedotas atribuídas a ele, é o maior representante do cinismo, escola filosófica grega que defendia que a felicidade resulta da vida desapegada de coisas materias, que a simplicidade traz a vida leve e que a necessidade deve ser o fio condutor para as ações humanas. Diógenes era bem humorado e ágil em dar respostas a seus interlocutores. Conta-se que certo dia estando ele em sua casa (que era um tonel ou barril), Alexandre o Grande se apresentou dando-lhe a oportunidade de pedir o que quisesse. A história diz que Diógenes pediu apenas que o imperador saísse da frente do sol, pois assim estava impedindo que sua luz chegasse até ele. Se esta história é verdadeira ou falsa não se sabe ao certo, mas que o cínico Diógenes tinha um estilo de vida "leve" e distante das convenções sociais, isso é fato.

Falemos de Presto, o mágico. O desajeitado Presto é um mágico amador que se esforça para realizar tarefas centrais do grupo, mas quase sempre suas ações acabam em piorar a situação. Contudo, o estilo atrapalhado dele foi a solução para problemas da equipe em alguns episódios. O filósofo lembrado pelo perfil de Presto é o alemão Karl Marx (1818-1883). Marx, amado e odiado, compreendido e ignorado, lido e especulado, foi um filósofo cujo pensamento até hoje causa "furdunço". Assim como a intenção de Presto em ajudar o grupo muitas vezes se traduzia em tragédias, a filosofia de Marx, que é uma análise filosófica, sociológica e econômica de sua época, foi transformada, em muitos casos, em sistemas ideológicos nocivos à humanidade do século XX.

A jovem Sheila é a personagem mais doce do desenho animado. Ela tem um perfil marcado pela delicadeza e pelos princípios morais de sua ações. Sheila também possui uma habilidade considerável: consegue ficar invisível e com isso alcançar lugares perigosos e ajudar a resolver situações icônicas da série, como, por exemplo, entrar nas dependências do Vingador sem ser percebida. A Sheila me fez lembrar o filósofo dinamarquês Soren Aybe Kierkegaard (1813-1855). Kierkegaard produz um tipo de filosofia delicada. Seu pensamento, que é marcado profundamente pela relação com Regina Olsen, sua ex-noiva, transmite a ideia de que o valor ético é o caminho que leva o homem a alcançar uma existência racional. Fazendo uma analogia, podemos afirmar que assim como Sheila, Kierkegaard ficou invisível. Ele ficou invisível para muitos filósofos contemporâneos, que acreditavam que seu pensamento era mais uma teologia que mesmo uma filosofia, até que suas ideias influenciaram grandes pensadores do século passado, como o francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) e tornaram-se obrigatórias para os estudiosos do movimento existencialista.

Analisemos agora o perfil do Érick, o mais "reclamão" de todos os personagens. O "Cavaleiro", como é chamado pelo Mestre dos Magos, é pessimista, arrogante e muitas vezes egoísta. Seu comportamento quase sempre produz desconforto entre os demais, embora também produza situações engraçadas. Erick de cara me lembrou o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Schopenhauer, famoso pela sua filosofia pessimista, é um pensador do século XIX que consegue produzir textos controversos, tendo como exemplo um no qual ele faz a análise biológica das diferenças entre os sexos, fixando atividades sociais para ambos de acordo com esta análise. O alemão também era conhecido por sua relação conflituosa com a família. Sua filosofia pessimista conclui que "viver é sofrer" e que o prazer nada mais é que um momento de ausência de dor, pois não existe satisfação durável.

Agora nós iremos analisar o caçula do grupo, o pequeno Bob. Embora o mais novo do grupo, é o mais corajoso e também o mais prático. Com o "Bárbaro" tudo era na força bruta. O que "não presta" deve ser destruído, desfeito. Bob usa um bastão, uma ferramenta manuseada com firmeza e pouco critério. É claro que Bob nos lembra o ilustre filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Quem mais ele lembraria? Nietzsche é famoso pelo seu pensamento ácido, muitas vezes agressivo contra os valores de sua época. A filosofia de Nietzsche é comparada a marteladas, justamente pelo seu caráter destrutivo, desmoronador. Nietzsche se empenhou em construir um pensamento que criticava abertamente o perfil, segundo ele, niilista da filosofia clássica e do cristianismo. Suas obras são marcadas pelo estilo livre e aforístico, onde abertamente critica os valores de sua época. Com Nietzsche é na força bruta.

Por último, mas não menos importante, está o Henk. O "Arqueiro" é o líder do grupo. Ele conduz este nas aventuras, guia a equipe em direção do lugar desejado. Henk quase sempre tem tudo "mapeado" em sua cabeça, sabendo sempre como e quando agir. Esta característica curiosamente me lembra o filósofo também alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel é compreendido por alguns e ignorado por muitos, muitos mesmo. Um filósofo considerado complexo. Contudo, algo é fácil de perceber: Hegel reduziu todo o mundo objetivo a um sistema de pensamento. Nada, em sua visão, escapa à razão. Literalmente Hegel reduz tudo ao pensamento. Sua filosofia abrangente mas ao mesmo tempo redutora, pois segundo críticos, ignorava a subjetividade, é combatida por pensadores contemporâneos ou posteriores, como é caso dos já citados filósofos Schopenhauer e Kierkegaard. Henk buscava resposta para tudo com base na razão, na observação, mas às vezes ignorava as situações em que esta objetividade pode falhar. Assim com Henk no desenho animado, Hegel é um idealista, filósofo da dialética, pensador do mundo, e mapeador da realidade.

É claro que existem outras muitas análises filosóficas possíveis a partir dos personagens de Caverna do Dragão, mas penso que estas serão compreendidas por todos os amantes de Caverna do Dragão e Filosofia como eu. Por isso eu peço: leia, releia e critique-me, pois se não houver crítica não é filosofia.


Autor: Líniker Santana

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

#InPaucisVerbis - Pelo rio da existência

Não sou o que penso. 
Não sou o que pensam. Não sou o que pensaram. Não sou o que pensarão.

Não sou o que sonho. Não sou o que sonham. Não sou o que sonharam. Não sou o que sonharão. 

Não sou o que tenho. Não sou o que têm. Não sou o que tiveram. Não sou o que terão.

Mas, o que eu sou então? 

Sou um ser em construção, o resultado de pedra sobre pedra, de cada madeira da embarcação. Sou o agora, que dito,  já é passado, o futuro, que agora é presente, que logo, numa fração de instante, também será passado. 

Não sou, por assim dizer, perene. Sou um corpo, cuja temporalidade se demonstra a cada segundo. Um ser que flui pelo rio da existência.  

Este é o que fui. Este é o que sou. Este é o que serei.

In paucis verbis.

Autor: Líniker Santana

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Três verdades sobre o tempo

O livro de Eclesiastes (do hebraico koheleth, que significa "aquele que convoca a assembleia" ou simplesmente pregador) 
é um relíquia literária presente na Bíblia, que aborda temas de grande valor para a vida de quem o ler. São temas diversos, tratados na perspectiva de um homem que os viveu na pele e que agora, já envelhecido, reconsidera as suas prioridades e apresenta os paradoxos de sua própria existência.  Segundo a tradição judaica, o livro foi escrito pelo rei Salomão, filho de Davi, que reinou em Jerusalém entre 970 e 930 a.C. 

Um dos temas que Salomão trata em sua obra é o tempo, ao qual dedica boa parte do capítulo 3 do livro de Eclesiastes, além de alguns versículos nos capítulos 9 e 12. Uma definição dicionarística traz que tempo é "a duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro". Para os gregos o tempo pertencia ao deus Cronos, que também era o rei dos titãs. Esse deus era retratado com uma espécie de foice na mão que, segundo a mitologia grega, teria sido a ferramenta com a qual castrou o seu pai Urano. O tempo, como é possível perceber, carrega consigo um aspecto religioso e, é claro, pode ser discutido, interpretado, figurado de diversas formas, desde que em tudo seja trazida a sua irresistibilidade. 

Nem de longe querendo trazer teoria filosófica ou científica alguma, apresentaremos ao menos três "verdades" sobre o tempo, de acordo com o entendimento salomônico e pontuaremos a partir do texto de Eclesiastes como tais verdades podem ser "percebidas" em nossas próprias existências cotidianas, mesmo que distantes do glamour da vida do rei Salomão. 

A primeira verdade pode ser extraída do versículo 1 do já citado capítulo 3 de Eclesiastes. Está escrito: "Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu". O tempo alcança a todos e com todos é implacável. É observável que nada, absolutamente nada, o pode resistir para sempre. A irreversível rota do tempo leva consigo a beleza, a juventude, o vigor sexual, os sabores, a riqueza e, finalmente, a própria existência. O rubor da bela jovem que ensaia as palavras certas para dizer àquele a quem ama, com o passar do tempo é substituído por uma postura séria ante a vida que, por sua vez, dá lugar a um olhar sombrio diante da proximidade da morte. Esta primeira verdade é de fácil constatação, pois nossos heróis do passado sucumbiram ao tempo, nossas memórias, sonhos, medos e até desejos, todos por ele são submetidos. Com o tempo, as palavras de Salomão parecem ecoar em nossas mentes: tudo é vaidade, vaidade de vaidades!

Nos versículos dois a oito do texto bíblico já mencionado, há uma alternância entre ações positivas e outras consideradas negativas, na perspectiva do rei judeu. Há tempo de nascer, tempo de morrer, tempo de plantar, tempo de arrancar o que se plantou, entre outras. Este texto, longe de ser mero contraste literário, destaca que o tempo traz experiências diversas e que estas emolduram nossa existência em um ir e vir de sabores e dissabores cotidianos. A segunda verdade sobre o tempo é que ele testemunha momentos bons e ruins, ambos necessários para as nossas vidas. O valor de algo é exatamente a sua raridade e brevidade. Ser jovem é bom? Se sim, a razão está justamente no fato da juventude passar. Alegria e sofrimento andam lado a lado e são necessários para a efetiva existência humana. 

A terceira e última verdade está no texto do capítulo nove, versículo 8, que diz: "Em todo o tempo sejam alvas as tuas vestes e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça". Com estas palavras, o escritor coloca que estar limpo, puro a todo tempo, é fundamental para um bom viver. Sem se prender a fatores unicamente morais, podemos afirmar que pureza e unção são recursos fundamentais para o tempo de vida que tivermos. Para quando tudo estiver bem ou não, para quando formos jovens ou velhos, para quando estivermos apaixonados ou desiludidos, ou ainda quando sentirmos que nada é importante, a pureza será o contrapeso para nos mantermos vivos, de bem com nós mesmos e com Deus. 

Estas verdades sobre o tempo podem ser entendidas como direcionamentos para melhor aproveitamento de cada momento da vida. A nossa vida só é curta se nós a encurtarmos nos preocupando com as coisas mais banais do nosso cotidiano. Vale a pena sorrir, antes que venha o tempo de chorar; e quando, o tempo de chorar chegar, as lembranças da leveza de estar feliz devem servir de combustível para manter viva a esperança de sorrir novamente. O tempo nos é dado como uma fonte que jorra abundante água, mas que vai diminuindo a cada dia que passa, até que seque o manancial. Há tempo para tudo e,  sobretudo, viver. 

Autor: Líniker Santana

segunda-feira, 11 de julho de 2022

#InPaucisVerbis - Marcos e o mundo novo

São 6036 dias desde que tudo começou. A primeira vez. Naquele dia, naquela hora, naquele instante, Marcos estava ali, intacto, vislumbrando um mundo novo diante dos seus olhos. Um mundo que desde então não foge aos seus olhos. 

Às vezes sempre, às vezes às vezes, mas nunca nunca. Real, irreal, surreal. Empolgante, frustrante, decepcionante. Possui brilho, dor e remorso. Esse mundo de muitos, de poucos e de ninguém, estava lá, cento e noventa e oito meses atrás, tão vivo e cativante como hoje. Tão vivo, que mata, tão cativante, que frustra, tão vazio, que engana a mais nobre alma que possa existir.  

Marcos sofre, pois, este mundo está cada vez mais presente, tão presente que o torna ausente. Tão frequente que o torna carente. Carente de si, do outro, de tudo. Marcos sofre. Marcos vai. Marcos volta. Marcos leva, Marcos traz. E o mundo novo está ali. Tão ali, mas tão ali, que pode ser alcançado com os dedos das mãos.

In paucis verbis, tudo que Marcos pode dizer. 


segunda-feira, 27 de junho de 2022

Bruce Willis e a fragilidade humana

Recentemente o renomado ator americano Bruce Willis anunciou seu afastamento de Hollywood após descobrir que tem afasia, séria doença que causa dificuldades na fala e na locomoção. O diagnóstico exigiu do ator uma espécie de aposentadoria antecipada, visto que já não estava conseguindo exercer a profissão que o tornou famoso no mundo inteiro. 

Quando li a notícia, logo fiz um paralelo do personagem com o homem real, que agora está doente. Os papéis de Willis sempre estavam associados ao modus operandi típico dos filmes de ação: a capacidade que o personagem principal possui de se safar de qualquer situação e que o faz parecer quase um super humano. A magia dos filmes de ação reside justamente no fato de que a morte parece frágil diante dos heróis. Eles até envelhecem, mas jamais perdem as suas habilidades, pois estas parecem transcender todas a limitações típicas da idade.

A vida na tela é incrível, no final tudo acaba bem, cabendo algumas exceções, é claro. Na vida real nem sempre é assim, nem sempre acaba bem, ou "quase nunca acaba bem", diria um pessimista. Como o personagem e o ator às vezes grudam um no outro, como se fossem um só, ver Bruce Willis doente foi decepcionante, triste, sombrio e destruidor. A afasia lhe tem tirado a capacidade de falar e está calando logo a voz daquele cujo personagem sempre tinha as palavras certas, na hora certa. A doença ainda tem tirado sua locomoção, logo daquele cujo personagem sempre tinha uma saída engenhosa para situações arriscadas, que incluía pular de prédios ou de carros em movimento. 

A reflexão que fica é: somos tão frágeis que buscamos inconscientemente consolo para esta nossa fragilidade quando nos projetamos nestes heróis ou mesmo anti-heróis por não possuírem a nossa fraqueza. São fortes, inteligentes, independentes, decididos, atemporais, mas, como nada pode ser perfeito, nem mesmo na tela do cinema ou da televisão, falta algo a estes heróis. Falta-lhes a existência. Isso mesmo, eles não existem. Quem existe somos nós, nossa fraqueza, nossa limitação e tudo que nos atinge. Decepcionante, porém real, frustrante, mas palpável. 

No fundo, a doença do Willis é a prova de que sempre serenos confrontados pela vida e por sua temporalidade e, além de tudo, pela fragilidade do nosso corpo e da nossa mente. A vantagem de saber disso, é que temos a opção de enfrentar tais confrontos com dignidade e cabeça erguida, o que faz o sofrimento ser menor. 


Força Bruce Willis, torcemos por você!


Autor: Líniker Santana

sábado, 25 de junho de 2022

In paucis verbis

Gostaria de iniciar hoje uma maratona de textos curtos intitulada In paucis verbis, expressão latina que significa "em poucas palavras". A ideia é publicar textos objetivos sobre temas do momento, sempre com centelhas ou mesmo fogaréus de polêmica! 

Posso contar com você?  Pensar é ousar, escrever é arriscar e ler é viajar. Viaje comigo. 

Linikerius Santaninus

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Coisificado

Sempre que venho a um banco público tenho uma sensação muito específica. Vejo as pessoas esperando suas vezes de serem atendidas, olhando atentas para o painel e buscando, com os olhos clamantes, identificar algum mínimo interesse naqueles que estão postos para os atenderem. 

O olhar frio, indiferente e arrogante de alguns servidores, parece indicar que a massa de pessoas que ali está é um incômodo para eles. 

As pessoas, quando podem se assentar nas cadeiras de conforto duvidoso, se perdem entre sentimentos de raiva, impaciência e desespero, tudo claramente demostrado no constante olhar para os lados, troca da posição das pernas cruzadas e suspiros de frustração. 

Este sentimento é potencializado quando os atendentes levantam, lentos como um barco a zarpar, e param diante de outros servidores públicos seguros de seu futuro, e começam a por algum assunto em dia. Dez minutos aqui, quinze ali, cinco mais a frente, são suficientes para fazer uma pessoa esperar muito mais que o necessário.

Desprezado e banalizado, esse é o diagnóstico que faço de mim mesmo,  assim como dos outros. Coisificado, transformando em mero refém da necessidade .

Mas, o que nos libertaria disso tudo?

Ou vivemos sem precisar dos bancos ou busquemos, de alguma forma, demonstrar que são somos insignificantes como pressupõe alguns insensíveis servidores públicos.

Como? 

Não existem repostas fáceis. 


Autor: Liniker Santana

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O prazer no processo: o percurso como elemento significante da existência

Às vezes, quando apaixonados, pensamos exatamente quando e como será o momento em que teremos o prazer de pôr o objeto de nossa paixão em nossos braços. Este desejo também cerca um casal que mapeia e cria seu primeiro encontro de ordem sexual. A expectativa é sempre em torno do ato em si, da consumação, seja do beijo, no primeiro romance, seja da relação carnal, numa situação erótica.

Há, porém, uma maneira pouco habitual, mas bastante intelectual de conceber o prazer: a busca deste sendo o verdadeiro prazer. Johannes, personagem do “Diário de um Sedutor”, obra do filósofo dinamarquês Sorën Aybe Kierkegaard (1813- 1855), deixa isto bem evidente em seu percurso intelectual para seduzir Cordélia, seu objeto de desejo. 

Johannes di Silentio, como é conhecido este personagem de Kierkegaard, apresenta o processo de conquista como algo que coloca o homem em um estado de suspensão de espírito, numa dimensão de arrebatamento do “eu”. A percepção do belo, a observação dos detalhes do objeto, o viver cada situação, as possibilidades que cercam os momentos preliminares, na verdade se constituem a verdadeira harmonia de espírito que emite o prazer. Na condição de sedutor, Johannes via no prazer a finalidade de sua vida. As múltiplas maneiras de encontrá-lo faziam dele um verdadeiro mestre da ambiguidade, pois sempre conseguia tomar proveito de cada situação de uma maneira específica:


Nada de impaciência, nada de avidez; o prazer deve ser bebido em lentos tragos; ela está predestinada, encontrá-la-ei de novo.


Esta maneira de viver em função do prazer é definida por Kierkegaard como modo estético de existência. Tudo deve ser cercado de ambigüidade, de beleza e de sedução. O processo em busca do prazer deve ser o próprio prazer. Johannes seduz Cordélia e não deixa nenhuma evidência física ou moral nela, mas lhe deixa registrado no espírito uma marca indecifrável, pois era uma marca de intelectualidade, de sedução pensada, planejada e desejada.


Bom, alguém poderia perguntar: mas, qual a relação entre sedução e filosofia? De um ponto de vista filosófico, o que está em foco não é a sedução em si, mas a suspensão de espírito causada pelo processo de conquista. Há aqui já uma diferença entre a “normalidade” e o processo filosófico: viver a situação é mais importante de que a posse dalgum objeto. Viver a situação, então, é existir e usufruir desta existência de maneira que o prazer não se limite à exterioridade, mas seja o que poderíamos chamar de emancipação do “eu”.

Kierkegaard, ao qual se atribuí, às vezes, a alcunha de “Mestre da subjetividade” construiu uma filosofia que lançou as bases do existencialismo que mais tarde foi desenvolvido por outros filósofos, tendo, talvez, em Jean-Paul Sartre (1905-1980), sua maior expressão, embora num viés em que não se admitisse a existência de Deus. O Existencialismo tem como base a afirmação de que a existência precede a essência, sendo o homem, então, livre para viver sua subjetividade sendo responsável por suas escolhas em todas as perspectivas possíveis, pois sua essência será definida pela existência que possuir, que decidir ter. Há, porém aqui uma observação: segundo Kierkegaard, o homem pode escolher viver sua subjetividade até na renúncia de sua própria vontade ou do prazer em função da responsabilidade, do compromisso com outros quando se nega em alguns casos o “eu” em função de outros. Eis o estágio ético da existência segundo o dinamarquês.

Existir então é o foco, como essa existência se dará, apenas cada homem em sua subjetividade saberá. Usufruir do prazer de conquistar uma moça é uma opção existencial, uma maneira de relacionar-se com o mundo de modo que este seja mais que apenas uma expressão lógica das coisas, que vá além de uma relação epistemológica, seja uma forma de simplesmente ser.

terça-feira, 15 de junho de 2021

Paternitas

A "paternitas", paternidade, é um mistério. E mistérios são difíceis de explicar. Às vezes são inexplicáveis. Mas, vale a tentativa. Este texto é uma breve crônica de minha paternidade. 

Até a véspera de vinte de março de 2018, eu era apenas o mais velho dos filhos dos meus pais. Apenas um professor, um filósofo ou aspirante a escritor. Da minha esposa, o marido, dos amigos, um dentre eles. Estas definições já não bastam. Hoje, eu sou pai. 

Quando minha esposa me informou da gravidez, um misto de sentimentos invadiu meu coração. Sentimentos que se sucederam, digamos assim. O primeiro deles foi o medo. Ele tomou conta de mim, pois eu não sabia se seria capaz de cuidar de outro ser. O medo gera algumas angústias, mas também nos impulsiona a descobrir mais de nós mesmos. Assim aconteceu. Temendo ser pai, me descobri pai. 

O segundo sentimento foi a expectativa. Tendo já iniciado o processo de internalização da paternidade, meus sentimentos voltaram-se agora para o sexo da criança. Será menino ou menina? Sempre surgem aquelas perguntas que, às vezes, podem soar como inconvenientes: "qual você prefere"?, ou "sabia que menina dá mais trabalho?". Bom, eu tinha expectativas que o bebê fosse uma menina. Mas o motivo é bobo: como minha casa sempre foi de muitos homens e não tenho irmãs, uma menina quebraria esta sequência. Tolice minha. Quando o médico disse que o bebê é do sexo masculino, meu coração  disparou de alegria. Ah, tenho certeza, que se fosse menina, o coração se alegraria do mesmo jeito. Era meu filho, meu primeiro filho.

A ansiedade veio logo em seguida. A barriga crescendo, a esposa perdendo sua disposição, a locomoção diminuindo, exames aqui, exames ali. Toda essa rotina que cumpríamos com zelo só acelerava meu desejo: quero ver meu filho. Cada dia ficava mais perto, mas ao mesmo tempo parecia uma eternidade. Conversávamos: "como será o rostinho dele?", "ele puxará mais a quem?", perguntas típicas de pais novatos. 

Quando o dia chegou, peguei meu garoto nos braços e senti uma alegria singular. Senti-me porto, pois antes só era navio. Senti-me sombra, pois antes era apenas aquele que nela se refugiava. Meu filho é parte de mim e naquele momento descobri que, na brevidade da vida, existem coisas que nos fazem sentir eternos. A paternidade é uma delas. Não a biológica apenas, mas a genuína, aquela que é real, do coração, da alma.

Ser pai me ensinou e me ensina diariamente muita coisa, como reencontrar a minha própria infância, ao brincar com o meu garoto, ver a vida de maneira mais leve e, é claro, priorizar o que é mais importante na vida: viver.

Hoje meu filho é um garoto brilhante. Recebe atenção, beijos e, como qualquer outra criança, é corrigido, quando precisa. Mas, não consigo me arrepender e se pudesse, não iria querer, pois as dificuldades de ser pai são muito menos densas que a grandeza e a nobreza de acordar com um ser tão sincero e puro te dizendo com a doçura típica de uma criança: te amo papai. 

Autor: Líniker Santana




sábado, 17 de abril de 2021

Lugar incrível



Quando eu tinha apenas onze anos meus pais compraram uma casa em um lugar incrível. Casa pequena, reforma a fazer, paredes antigas, terreno íngreme. Lembro que minha mãe não gostou nada da casa e até duvidou da competência de meu pai em fazer escolhas razoáveis. Aos olhos de um adulto, como aos de minha mãe, foi um péssimo negócio. Aos meus, um sonho, um grande sonho.

Eu gostei do lugar a começar pelo número da rua: cento e onze. Hoje me parece bobagem, mas a ideia de morar numa rua cuja identificação era três números iguais me trazia um certo fascínio. Sempre gostei de números, mas não o suficiente para ser bom em matemática. Durante todo o tempo que morei neste lugar, o número cento e onze me foi interessante.

As árvores eram abundantes naquele lugar. Lembro-me que quase todas as casas da rua tinham um pé de jambo no quintal. A nossa era uma delas. Na época desta fruta, tínhamos para "dar e vender", mas se perdia, pois todos também tinham para "dar e vender". Havia uma áurea especial ali.

Eu e meus irmãos formamos algumas amizades muito rápido. Conseguimos nos identificar com os dois garotos que moravam em frente, filhos de uma senhora cristã. Lembro-me que meu irmão caçula foi o que mais se afeiçoou da amizade, pois a faixa de idade deles era semelhantes.

Cada dia tinha um enredo especial, porém bem simples: estudar e brincar. Estudava a tarde, era aluno da Tia Rosilda e o último a sair da escola, pois a professora fazia questão que eu lesse o maior texto do livro, como requisito para largar. Na escola aperfeiçoei a leitura, a escrita e o gosto pelo pensamento. Acho que já ali algumas raízes de um "eu" mais filosófico eram lançadas.

Neste lugar aprendi a empinar pipa, jogar xadrez, dominó e a fazer amizades com pessoas mais velhas. Neste lugar aprendi a subir em árvores mais altas, andar sobre o muro e descer na mata atrás de pipas cortadas em disputas regadas à cerol do brabo, aquele que cortava até pescoço.

Ali chorei quando o Brasil perdeu da França na final da Copa do Mundo de 1998, assisti Ratinho e ganhei um Super Nintendo. Foi ali que zerei meus games preferidos, me descobri adolescente e me apaixonei. Ah, me apaixonei por uma moça que sequer sabia que eu existia, mas me apaixonei.

Este lugar incrível tinha rua asfaltada, muitas crianças e uma grande mata ao final. Tinha a Mônica, tinha o Kleiton, tinha o Miquéias, o Jefinho e o Robinho. Todos crianças ou pré-adolescentes, todos felizes. Sim, uma felicidade que se traduzia em gargalhadas e conversas jogadas fora.

O Jefinho, que era meu vizinho de parede, torcia fanaticamente pelo Santa Cruz. Seus pais, tios e amigos, jogavam dominó toda noite, era uma festa. Enquanto eu, meus irmãos e meu pai assistíamos Ratinho na TV, ouvíamos as batidas nas peças de dominó na mesa. O barulho já fazia parte da natureza do lugar, pelo menos para mim. Sem ele, alguma coisa faltaria.

O lugar para mim era mágico, sempre pensei assim. Mas, em que consistia a mágica de Caetés 1, em Abreu e Lima, Pernambuco? Consistia na leveza, pureza e inocência. A mágica, na verdade, não estava no lugar, estava em mim. Eu estava descobrindo o mundo, rompendo com a infância, flertando com a adolescência. Tudo era novo e isso me encantava. As sensações daqueles dias me parecem tão reais hoje!

A verdadeira mágica estava em mim, pela entrega aos novos saberes que a vida estava me oferecendo. O lugar foi o cenário perfeito, as pessoas personagens incríveis. Os dias, maravilhosos. Mas eu era o cerne da questão. Conhecer era meu impulso, meu encanto.

Tal qual o encanto que me preencheu a mente e o coração na tenra idade, deve ser o nosso encanto pela vida, pela razão, pelo saber. O filósofo deve ser como uma criança no perguntar, como um sábio no responder e como um herói no viver. Por que herói? Por que estará sempre se resgatando de si mesmo, evitando que mente e corpo sejam entregues ao incolor medo de ser feliz. 

Você é a mágica de sua felicidade, eu sou da minha. Vivamos o sonho da leveza, do querer viver e ser feliz! 

Autor: Líniker Santana







sábado, 10 de abril de 2021

Madrugada

Desde muito jovem tenho uma relação singular com a madrugada. Um relação de amor, não de ódio, embora às vezes devesse ser de ódio também. A madrugada para mim é um fundo musical, uma paisagem ou uma inspiração. Muitas vezes tudo ao mesmo tempo. Um tipo de momento que me desperta para a reflexão, não no sentido de me sentir mais inteligente enquanto os outros dormem, mas por que durante a madrugada me encontro comigo mesmo.

Quando o barulho que me resta é apenas o do ventilador a soprar nas minhas costas, sinto que posso falar o que preciso falar. Falar o que desejo, não o que devo. Um falar com palavras arrancadas à marra de uma mente que se vê invadida por um turbilhão de pensamentos que o dia fez questão de lançar, sob um fio de tensão e preocupação. A madrugada liberta. Ela me permite gritar sem ser ouvido, dizer, sem ser ignorado, pois não há quem me possa ignorar, além de me permitir ser , sem ser interrompido. 

Nela me orgulho dos meus feitos, das minhas ideias, do meus sabores, mas também me envergonho das minhas mazelas, medos e horrores. É fascinante a sensibilidade que a madrugada me traz! Ela me faz ver que já sou velho para temer chorar, mas que ainda sou jovem para ter as respostas que preciso. Durante este período de escuridão, clareia-se a mente de um pensador! Mas a luz não traz sempre a inspiração, mas a certeza de que vale a pena tentar.

Estas palavras podem parecer uma singela e desinteressada homenagem à madrugada, berço dos que dormem. No entanto, para além disso, elas são a abertura de um coração alegre, que às vezes se vê triste, um coração grato, que às vezes se descobre insatisfeito, um coração bem acompanhado que não rejeita flertar com a solidão. São o destilar de uma mente que tenta pensar deliciosamente.


Autor: Líniker Santana

sábado, 23 de janeiro de 2021

Poesia da Adolescência



Em meio ao mundo sutil

De largas portas e muros mil

Contemplo a face primaveril

Da adolescência que já partiu


Difícil é de aceitar

Perder o que mais me apaixonou

Tempo livre, momentos longos

De tal forma que me impressionou

Viver sorrindo por coisas simples 

Difícil por outros de se aceitar

Todavia não contemplaram o que se apaixonar


O escuro torna-se claro

O abutre um belo pássaro

O inferno vira céu

A alegria rasga o véu


Passou, passou

Voou como pássaro

Que vai ao seu recanto nas montanhas

Longe de todos os homens

E de suas grandes façanhas


Minha adolescência, meu amor

O belo rosto, o dulçor

Para onde se foi?

Esse é meu clamor!


Se voltares romperemos com a realidade

Mas não importo, desde que a idade volte para onde começou

Não é só por beleza mas por destreza, liberdade e leveza

Reconheço os afins

Quanto mais jovem, mas longe do fim.



Autor: Líniker Santana


Obs.: Este texto eu escrevi no verão de 2010, quando ainda tinha 23 anos. Decidi publicá-lo novamente, pois senti saudades de minha adolescência, do dulçor daqueles que são dias incríveis da nossa vida, mas também, para comemorar os quase 11 anos de existência deste blog. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Sensações do momento

Fonte da imagem: Internet
É final de tarde, a luz do sol em tons alaranjados percorre todo o céu diante de mim. Os pássaros, já em seu toque de recolher, fazem um barulho retumbante. As crianças, grandes e pequenas, misturadas sob espessa nuvem de poeira levantada pelo contínuo sassaricar, começam a ouvir suas mães chamando para voltarem para casa. Estou sentando em uma calçada observando tudo que acontece ao meu redor, como um artista que busca uma inspiração para a sua obra criar, recriar ou resignificar. 

Posto o sol, a noite chegou, mas continuo com as minhas observações. A casa, a quem pertence a calçada onde estou sentando, é espaçada, sem grades e cercada por varandas, com muitas árvores nos seus arredores. Um "ar de alegria" parece haver ali. Além disso, ouve-se o som das crianças brincando ao tomar banho em algum lugar nos fundos da casa, o que ajuda no clima de alegria. Um cheiro incrível de comida sendo preparada percorre as proximidades da casa, o que faz despertar o apetite de qualquer um, mesmo diante em um céu vultuoso, que agora está estrelado e apaixonante. 

Quando já ensaio levantar da calçada, ouço o apito do trem que passa na rua de baixo, onde está a pequena estação da fazenda. Fiquei mais um pouco, pois aquele som me despertou memórias. Lembrei que nele vem gente da cidade, trazendo consigo algo que compraram nas lojas movimentadas do município, como minha tia, que outro dia, me trouxe um boné com o brasão do Flamengo. Lembrei ainda que outras pessoas vêm passar o final de semana com a família aqui na fazenda, buscando um pouco de sossego, pois às vezes não o acham onde moram, como um primo meu, que veio para cá para fugir da chatice dos vizinhos, que só faziam barulho em suas bebedeiras. O trem partiu para a sua jornada até a estação final, e eu me levantei e fui para casa.

Quando cheguei em casa, minha mãe avisou que José Pedro, o JP, esteve a minha procura. JP é um amigo de longas datas. Embora seja muito jovem, como eu também o sou, José parece entender bastante das minhas "filosofias", pois sempre tenta "enxergar" na sua imaginação aquelas coisas que crio na minha. É um amigo valioso.

Tomei banho, jantei, conversei um pouco com os meus pais. Feito isso, fui para a frente de casa, quando chegaram JP, o Elias e o Mayksuel (isso, escrito assim mesmo, pois o pai dele gostou da sonoridade). Conversamos sobre coisas de rapazes (e também de moças), como carro, lutas e futebol. Os três se gabavam dos gols que faziam nas peladas de sábado a tarde e contavam anedotas de seus lutadores preferidos, além de exaltaram o carro que julgavam mais bonito e potente. Era divertido vê-los se divertindo com aquilo que achavam de si mesmos e das coisas que gostavam.

Depois de dialogarmos por umas duas horas, nos despedimos e eu fiquei mais um tempo na frente de minha casa observando um pouco o céu estrelado. Já passava das 22 horas, o que me permitia apreciar o barulho dos insetos e anfíbios perto de dali, pois as muitas crianças já estavam dormindo. Poético e inspirador.

Todas as vezes que me deixo levar pelos meus pensamentos, percebo que o que eu tenho de mais importante é a mim mesmo. Busco usufruir cada sensação, ouvir cada som, apreciar cada sabor, perceber cada cor. Mesmo sendo jovem, já me sinto na responsabilidade de aproveitar a vida de maneira robusta, pois assim enxergo a minha brevidade.

As genuínas sensações do momento são tudo que temos, é a nossa efetiva posse. O que aconteceu ontem, já não existe. O amanhã é apenas uma possibilidade, a riqueza, um benefício incapaz de nos dá a felicidade plena e a falta de sentido na vida é o pior das males.


Autor: Líniker Santana
 


quinta-feira, 26 de março de 2020

terça-feira, 24 de março de 2020

Quando o poeta pergunta

   

As palavras vão e voltam vazias, sem sentido e carentes de beleza. Buscam o destino no coração abatido do poeta, mas não encontram, pois este perdeu a sua inspiração. Caem como chuva na alma do escritor, mas não conseguem molhá-lo, pois este desenvolveu uma resistência incômoda. O que terá acontecido com ele? O que fez aquele que outrora encantava e gerava sorrisos? O que foi feito àquele cuja alegria destilava nas doces noites de primavera? Terá o poeta perdido a sensibilidade? Terá as altas doses de realidade embriagado aquele que outrora vislumbrava o sonho? Ou terá sido a amargura do dia-a-dia que se desenha ante a falta de sensibilidade poética na sociedade atual? O poeta não sabe, eu não sei.

Autor: Líniker Santana

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Uma palavra aos estimados leitores!


Saudações a todos vocês, nobres leitores!


Gostaria de informar a todos vocês que a partir deste mês voltaremos a publicar novos textos. Os últimos quatro meses foram bem intensos, pois estava (e em parte ainda estou), focado na construção de um artigo para a conclusão de uma pós-graduação lato sensu na Universidade Federal de Alagoas. Em função disto, precisei me ausentar das publicações temporariamente.

Também gostaria de pedir que divulgassem este blog em suas redes sociais, para que mais pessoas possam ser alcançadas com textos que carregam um grande teor de sensibilidade existencial.


Não esqueçam: ler é viajar sem sair do lugar!


Com carinho,

Filósofo Líniker Santana